Uma cartografia social de paisagens sonoras da ancestralidade, entre corpos, lugares e territórios negros. Esta é a principal das trilhas que vêm sendo percorridas pelo projeto OuvidoChão. Trazendo como princípio a relação com o chão, com a terra e seus modos de vida, nossa proposta tem aprofundado uma poética de agricultura dos sons para o mapeamento e elaboração de audionarrativas que ressaltem a presença negra e suas formas de produção espacial por meio da herança ancestral africana na diáspora.
Semeamos e colhemos sonoridades em seus vínculos com a terra, observadas nas perspectivas material e imaterial, em diálogos com conceitos da Geografia – Espaço, Lugar, Território – no processo de construção das cartografias sonoras. Para isso, em nossa trajetória temos trabalhado algumas linguagens artísticas como caminhos para um aprofundamento teórico e prático sobre a dimensão sonora do espaço atrelada aos modos de ser e construir identidades negras no contexto brasileiro.
O projeto OuvidoChão surge em 2018 a partir do cruzamento de diversos saberes e fazeres, do encontro entre atuações artísticas, militantes e científicas realizadas junto a comunidades quilombolas de Porto Alegre-RS. Idealizado por Gabriel Muniz – artista sonoro, designer, cineasta e pesquisador –, a proposta nasce do interesse sobre o campo das paisagens sonoras, trabalhadas a partir de uma escuta atenta aos índices da ancestralidade afrodiaspórica presentes nestes lugares-territórios.
De tal forma, OuvidoChão apresenta uma Encruzilhada de Saberes que agrega conhecimentos tradicionais da oralidade a aprofundamentos artísticos e científicos em Geografia, Audiovisual, Design e arte Tecnológica. Os conteúdos de nossa cartografia têm sido trabalhados a partir de linguagens diversas. Já realizamos alguns documentários em curta-metragem, uma instalação de arte sonora, uma dissertação de mestrado e, atualmente, um acervo sonoro, por meio deste site de caráter imersivo.
Em 2019, após os primeiros documentários audiovisuais, o projeto se expandiu com a colaboração da artista sonora Irla Franco, resultando na instalação OuvidoChão – Cartas Quilombolas. Esta obra uniu design de som e design gráfico com recursos tecnológicos de interatividade, videomapping e áudio imersivo para mapear paisagens sonoras de territórios negros no Rio de Janeiro. A instalação foi parte da exposição ArtSonica, no Centro Cultural Oi Futuro, e destacou a afirmação das referências africanas, muitas vezes apagadas nas narrativas históricas e geográficas oficiais.
A residência artística no Rio de Janeiro foi um marco importante no amadurecimento do projeto OuvidoChão como um todo, resultando em um ambiente sonoro-gráfico sensorial e interativo. A instalação mapeou não só as paisagens físicas, mas também as trajetórias orais da negritude no Rio, com um sentido poético que, além de aprimorar o sentido cosmológico de nossa abordagem, conectou a escuta dos espaços às memórias de resistência e presença negra. A partir desta experiência, colhemos aprendizados de valor inestimável para nossa agricultura dos sons, associando a noção de corporeidade negra na percepção do espaço em múltiplos sentidos.
De maneira ainda mais consciente sobre os caminhos da ancestralidade no semear das sonoridades, voltamos à Porto Alegre-RS em 2024 em mais uma residência artística como processo criativo para construção deste acervo afrossonoro. Sendo assim, o que apresentamos aqui é o resultado de um aprofundamento teórico, prático e metodológico sobre som e espacialidade, a partir da noção de Paisagem Sonora Afrodiaspórica, ideia germinada no trabalho junto ao Quilombo Flores, comunidade à qual temos a honra de retribuir a parceria a partir da cartografia sonora que compõe este site.