Saudações Afrossonoras! É com bastante orgulho que apresentamos este acervo afrossonoro do Quilombo da Família Flores, mais uma das iniciativas do Projeto OuvidoChão. O conjunto de sonoridades que você ouvirá aqui é fruto de 6 anos de companheirismo, aprendizados, identificação, pertencimento e colaboração do artista sonoro Gabriel Muniz junto a este quilombo urbano de Porto Alegre-RS. O reconhecimento entre identidades negras, o acolhimento da comunidade, o respeito às trajetórias de vida e a humildade na troca de saberes permitiram que fosse desenvolvido um valioso estudo das Paisagens Afrossonoras do Quilombo Flores.
O aprofundamento desta noção aconteceu por meio de diversas linguagens. Desde o audiovisual, onde experimentamos caminhos narrativos a partir do som; passamos pela arte sonora, através dos quais aprimoramos a importância do sentir na percepção do espaço; até chegar ao design e à cartografia, percursos que trilhamos para mapear, experimentar e difundir representações da ancestralidade que compõe e caracteriza um lugar-território. De tal maneira, apresentamos neste acervo um banco sonoro, produções audiovisuais, um mapa sonoro, algumas audionarrativas, experimentos com sonoridades e possibilidades metodológicas para representação e difusão dos modos quilombolas de ser, viver, produzir espaço e resistir às opressões da colonialidade.
A sistematização dos primeiros anos deste desenvolvimento pode ser acessada de forma mais detalhada na dissertação de Mestrado em Geografia (UFRGS, 2023) de Gabriel Muniz, acessível aqui. Na pesquisa, é possível conhecer as bases epistemológicas, metodológicas e conceituais que tornaram possível a elaboração da noção de Paisagem Afrossonora – ou Paisagem Sonora Afrodiaspórica –, enquanto pressuposto de interpretação para uma relação com o espaço tomada a partir de cosmoperceções africanas e afrodiaspóricas. Estas formas de sentir, perceber e criar mundos são os elementos fundamentais que buscamos apresentar por meio deste acervo.
Para isso, utilizamos algumas categorias oriundas de nossa prática com audiovisual para distinção entre as sonoridades: AMB (ambiências, paisagens); MUS (músicas, cânticos, toques), FX (efeitos, experimentos), DX (vozes, diálogos, depoimentos). Será possível encontrá-las nas nomenclaturas dos áudios que compõem o acervo, isoladamente, e também percebê-las como camadas das audionarrativas. Buscando um aprimoramento na forma de captação das paisagens sonoras, principalmente nas suas formas de propagação no espaço, coletamos estes sons por meio de possibilidades tecnológicas diversas: Áudio 2D e 3D (Modos Ambisônico, Binaural, Estéreo, Mono); Dispositivos como Plantwave (Som de plantas) e outros dispositivos móveis; Audiovisual em 360°/Realidade Virtual.
Desta maneira, a metodologia que aplicamos para a produção do OuvidoChão - Acervo Afrossonoro: Quilombo Flores consistiu em uma residência artística, na qual Gabriel Muniz vivenciou o cotidiano da comunidade entre os meses de agosto e setembro em Porto Alegre-RS; e no desenvolvimento do site, entre outubro e novembro, onde o artista, já em Salvador-BA, elaborou as narrativas. A residência foi uma etapa fundamental, pois, além de coletar as paisagens sonoras, Gabriel propôs como contrapartida à comunidade atividades de laboratório – Partilha de Saberes, Cartografias Sonoras. Já para o site, foram elaboradas escutas, experimentos, composições e, de forma virtual, testes de usuário junto à equipe de desenvolvimento, acessibilidade e os participantes do laboratório presencial. Destacamos também nesta metodologia, a importância de tornar nossos conteúdos acessíveis, principalmente para pessoas com deficiência visual. Convidamos diretamente PCDs visuais para participar e colaborar com suas sensibilidades na coleta dos registros e composição das narrativas.
Sendo assim, nosso acervo afrossonoro se apresenta como uma devolutiva à comunidade quilombola da Família Flores e à sociedade em geral, bem como o resultado de um trabalho de múltiplas facetas – entre arte, ciência e militância. Buscamos aqui ressaltar a riqueza dos índices de uma ancestralidade que caracteriza um lugar-território como quilombola, muito além de um documento físico oficial. Nossa ênfase nos registros da oralidade traz como intuito aprimorar e estabelecer um caminho para registro, salvaguarda, valorização e afirmação das lutas dos povos tradicionais, criando representações e narrativas contracoloniais, para fortalecimento da manutenção de seus modos de ser, viver, produzir espaço e resistir às violências e aos apagamentos históricos e geográficos de sua presença.
Sejam bem-vindos e escutem com fones de ouvido, para uma melhor experiência!
Captação e Edição: Bamako Produção
Ep. 2 Quilombo Flores
FLORES
